Como parte das atividades do projeto AcessoCidades, uma iniciativa da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), entidade presidida pelo prefeito Edvaldo Nogueira, desde a terça-feira (23), Aracaju recebe uma programação que tem como objetivo contribuir para qualificar as políticas de mobilidade urbana. Nesta quinta-feira, 25, especialmente, foi realizada, pela primeira vez na capital, uma oficina intersetorial e participativa com foco no recorte de raça, classe e gênero no âmbito da mobilidade.
Na ocasião, participaram o superintendente municipal de Transporte e Trânsito de Aracaju, Renato Telles, além de técnicos e representantes do projeto que conta com o apoio da União Europeia, em parceria com a Confederación de Fondos de Cooperación y Solidaridad (Espanha) e Associazione Nazionale Comuni Italiani (Itália).
Aracaju, junto a outras dez cidades brasileiras, foi selecionada para receber apoio técnico para o planejamento de políticas de mobilidade que promovam a acessibilidade urbana e reduzam desigualdades. Essa assessoria tem como foco o apoio à reestruturação do sistema de transporte público na cidade e região metropolitana, incluindo aspectos e políticas com recortes de classe, raça e gênero.
“É muito satisfatório ter Aracaju entre as cidades escolhidas para ter esse suporte e obter esse diagnóstico, não só de forma quantitativa, mas, principalmente, qualitativa, para poder trazer insumos, seja nos processos em que estão sendo construídas as licitações e, ainda, já poder aplicar no dia a dia. A partir desse diagnóstico, poderemos aprender com a experiência de outras cidades, inclusive de fora do país, e requalificar a questão da acessibilidade com foco nesse recorte de raça, classe e gênero, levando mais segurança, mais qualidade com atenção a essa população que muitas vezes acaba sendo marginalizada na cidade e até mesmo no transporte público”, ressalta Renato Telles.
O coordenador do AcessoCidades, César Medeiros, pontua que o projeto foi selecionado por meio de edital oportunizado pela União Europeia, cujo foco era, justamente, a questão da desigualdade da raça e de gênero e, tomando como base a realidade do Brasil, no que diz respeito à mobilidade, a FNP apresentou um projeto fazendo essa aliança entre a desigualdade social, raça e gênero e mobilidade.
"Esse projeto já está no terceiro ano. Do seu início para cá, muitas trocas de experiências foram realizadas. Hoje, temos um curso disponível no portal da ENAP, do governo federal, gratuito para qualquer técnico se capacitar, além de dois guias de boas práticas em mobilidade. Neste terceiro ano, estamos indo para o apoio técnico de dez municípios que foram selecionados, que participaram dos dois anos anteriores, com experiências diferentes, para que possamos aprimorar, qualificar as políticas de mobilidade, integrando as diversas secretarias do município. Cada uma dessas cidades tem os seus desafios, por isso é tão importante a troca de vivências e a qualificação”, salienta César.
Especialista em mobilidade urbana, Tainá Bittencourt explica que a mobilidade urbana está para todas as pessoas, já que todos precisam se deslocar, de alguma forma. No entanto, quando é feito o recorte de raça, classe e gênero, os números apontam certa discrepância.
“São os marcos da desigualdade e isso se manifesta em como as pessoas se deslocam e como elas acessam oportunidade urbanas. Quando falamos em raça, classe e gênero existem desigualdades estruturantes. Pessoas de classes sociais mais baixas, por exemplo, têm menos recursos para empregar na mobilidade, são mais dependentes do transporte público e, em geral, moram nas periferias urbanas, ou seja, longe das oportunidades. Quando olhamos pra questão da raça, mesmo na mesma classe social, vemos que pessoas negras e brancas não têm os mesmos recursos financeiros e também não vivem nos mesmo locais no espaço. Em geral, as pessoas negras são mais periferizadas e isso também gera uma dimensão diferente de como elas acessam a cidade. No caso de gênero, as mulheres são mais responsabilizadas pelas atividades de cuidado, seja da casa, da família, dos filhos, das pessoas idosas, enfim, e isso também vai se manifestar na maneira como elas vão se deslocar. As mulheres, de modo geral, têm um deslocamento mais diverso, indo levar o filho na escola, vai ao trabalho, no mercado, por exemplo, enquanto os homens, geralmente, só se deslocam do trabalho para casa”, aponta Tainá.
De acordo com ela, as políticas de mobilidade precisam enxergar essas especificidades. “Passamos da fase de achar que uma mesma política vai beneficiar todo mundo da mesma forma para começar a olhar para as pessoas fazendo os devidos recortes de especificidades e de como construímos políticas públicas que atendam melhor a essas necessidades específicas. Nosso objetivo nesse projeto é mostrar esses aspectos e pautar esse debate de como apoiar para que as próximas políticas de mobilidade considerem isso como um ponto de partida”, complementa a especialista.
Uma das participantes do evento foi a gerente de Igualdade Racial da Prefeitura de Aracaju, Thaty Meneses, que reforçou a relevância do tema, “sobretudo para a qualidade de vida da população aracajuana". "É extremamente importante levantarmos esse tema para que possamos construir políticas públicas que, de fato, atendam às necessidades da população, no entanto, olhando para as diferenças entre cada grupo”, destacou.
Ao longo de três dias do evento, participaram, ainda, o Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Aracaju (SINTRA), o Coletivo Espaço Criativo, o IPES, o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CMDPCD), e trabalhadores do transporte coletivo.